domingo, 6 de julho de 2008

Quem matou os gorilas de virunga?

Quem matou os gorilas de virunga?

Milícias armadas estilhaçam o silêncio desse parque nacional na República Democrática do Congo. Refugiados abarrotam a orla da reserva. Carvoeiros devastam as florestas. E, no ano passado, alguém assassinou a sangue frio sete dessas magníficas criaturas.

Eles esperaram escurecer. Em 22 de julho do ano passado, matadores desconhecidos, de tocaia na floresta, prepararam-se para executar uma família de gorilas. Escondidos numa escarpa do vulcão mikeno, no leste da república democrática do congo, eles tinham vindo com suas armas automáticas no encalço da família rugendo, grande conhecida dos turistas e amada pelos guardas do parque nacional de virunga. O patriarca dessa família de 12 membros, um dorso-prateado de 225 quilos chamado de senkwekwe, deve ter percebido a chegada dos agressores. Talvez tenha franzido o largo nariz preto ao sentir o cheiro repulsivo de homens, mas decerto não se assustou. Senkwekwe já vira milhares de pessoas, cuja proximidade irritante, porém inevitável, ele acabara por aceitar. De tão habituada aos seres humanos, a família rugendo às vezes saía da selva e improvisava piqueniques em milharais de exasperados agricultores.

Guardas do parque em Bukima, o quartel vizinho, disseram ter ouvido disparos às 8 horas daquela noite. Na manhã seguinte, ao fazerem a ronda a pé, eles depararam com uma cena chocante: três gorilas fêmeas, Mburanumwe, Neza e Safari, estavam mortas a tiros. A filha de Safari encolhia-se ali perto. No outro dia, o corpo de Senkwekwe foi achado: ele tinha sido alvejado no peito. Três semanas depois seria descoberto o corpo de outra fêmea Rugendo, Macibiri, e seu filho foi dado como morto.

Apenas um mês antes, duas fêmeas e um infante de outro grupo de gorilas haviam sido atacados. Os guardas encontraram uma delas baleada na nuca, como num fuzilamento. Seu filho, ainda vivo, agarrava-se ao peito da mãe. A outra fêmea não foi localizada.

Ao todo, sete gorilas-das-montanhas tinham sido mortos em menos de dois meses. As fotos que Brent Stirton tirou dos moradores em prantos carregando os corpos dos primatas, como em um funeral da realeza, estamparam as páginas de jornais e revistas de todo o planeta. O assassinato daqueles animais inteligentes e discretos que os guardas do parque chamam de "nossos irmãos" indignou o mundo. Suspeitos não faltavam. Os gorilas dividem a área da reserva com dezenas de milhares de soldados que combatem em uma tripla guerrilha entre duas milícias rivais e o Exército congolês. O parque também abriga caçadores ilegais e hordas de traficantes de carvão, e na sua orla há agricultores de subsistência e vastos campos de refugiados lotados de famílias que fugiram da carnificina. Tragados por essa voragem de desgraça humana, seria um milagre se os animais permanecessem ilesos. Mas quem mataria gorilas a sangue frio, e por quê?

Por sua diversidade biológica e geológica, Virunga é a jóia da coroa dos parques africanos. Fundado em 1925, é o mais antigo parque nacional da África. Uma estreita faixa de geografia deslumbrante de 800 mil hectares, Virunga é santuário de grande variedade de animais, como o ocapi imagine um cruzamento de zebra com girafa e três táxons de grandes primatas.

"A reserva tem o maior número de mamíferos, aves e répteis e mais espécies endêmicas dentre todos os parques africanos", diz Emmanuel de Merode, diretor da Wildlife Direct, nova organização com sede em Nairóbi, fundada pelo conservacionista Richard Leakey. De Merode, antropólogo biologista de 37 anos, começou a trabalhar na República Democrática do Congo (RDC) em 1993, e o tema de sua tese de doutorado foi o comércio ilegal de caça selvagem no leste do país. "Virunga também possui um dos maiores lagos vulcânicos de lava e a maior diversidade de paisagens do mundo entre 900 e 5 mil metros: floresta alpina, charnecas, floresta tropical e savana", explica ele. "Virunga talvez seja o mais grandioso parque nacional do planeta."

Restam na Terra não mais do que 720 gorilas-das-montanhas. Metade deles vive no Parque Nacional Impenetrável de Bwindi, em Uganda, e a outra metade nas montanhas de Virunga, 24 quilômetros ao sul. Crivada de vulcões, a cordilheira de Virunga corta as fronteiras de Ruanda, Uganda e RDC. Três parques nacionais compartilham a região: o dos Gorilas de Mgahinga, em Uganda, que tem no máximo algumas dezenas desses animais; o dos Vulcões, em Ruanda (famoso pelos estudos de Dian Fossey), com talvez 120 gorilas; e o de Virunga, lar de até 200 indivíduos.

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