sábado, 5 de julho de 2008

PETA e KFC: “nenhuma diferença de opinião sobre como os animais devem ser tratados”

Centro de estudos
para a teoria e prática
dos Direitos Animais

© Gary L. Francione

© Tradução: Regina Rheda © 2008 Ediciones Ánima

Texto pertencente ao Blog pessoal de Gary Francione
2 de junho de 2008

Uma vez a antropóloga Margaret Mead disse: “Nunca duvide que um pequeno grupo de cidadãos conscientes e engajados consiga mudar o mundo. Na verdade, essa é a única coisa que já conseguiu”.

A PETA (People for the Ethical Treatment of Animals) evocou a citação de Mead para dar tapinhas nas costas bem-estaristas de seus apoiadores e de si própria, pelo acordo da divisão canadense do Kentucky Fried Chicken para “comprar 100% de suas galinhas—por meio de um programa de transição gradual—de fornecedores que usem o sistema de “‘morte por atmosfera controlada (CAK), o método menos cruel de abate de aves disponível. O CAK funciona substituindo o oxigênio das aves por uma mistura de gases inertes não-venenosos a fim de, gentilmente, pô-las ‘para dormir’”.

A KFC canadense também concordou em incluir uma opção, que a PETA caracteriza como “totalmente sem crueldade”, no cardápio de 65% de suas lanchonetes canadenses: um sanduíche de imitação de galinha com maionese não-vegana. Além do mais, a KFC canadense concordou em “melhorar seus critérios de verificação do bem-estar animal para reduzir a fratura de ossos e outros machucados sofridos pelas aves”, recomendar enfaticamente (mas não exigir) que seus fornecedores façam outras melhoras no bem-estar, e formar um conselho consultivo de bem-estar animal. E a PETA terá mais poder: A KFC permitirá que a “PETA revise seus formulários de verificação do bem-estar animal de seis em seis meses”.

A PETA, “excitada por anunciar” o que ela caracteriza como “um novo e histórico plano de bem-estar animal”, uma “enorme vitória” e uma “vitória histórica!”, cessou oficialmente seu boicote ao KFC canadense. Mas a PETA alerta que “a crueldade nas outras nações continua”.

A pobre Margaret Mead não deve estar simplesmente se virando no túmulo; deve estar rodopiando a toda velocidade.

O acordo PETA/KFC é um exemplo clássico do fracasso em que consistem as reformas bem-estaristas.

Considere o seguinte:

Primeiro, chamar isso de uma “vitória” para os animais é o cúmulo da ironia. Esse acordo é, sem dúvida, uma “vitória”. Mas é uma vitória para a indústria avícola canadense, que, na realidade, vai se beneficiar com uma produção mais eficiente e mais lucro.

Em sua Análise do abate por atmosfera controlada vs. imobilização elétrica sob o ponto de vista econômic a PETA argumenta a favor do abate com gás, ou “abate por atmosfera controlada (CAK)” das aves, afirmando que o método de atordoamento elétrico “rebaixa a qualidade e o rendimento do produto” porque as aves sofrem fratura dos ossos e o processo resulta em uma contaminação perigosa para a saúde humana. O método do atordoamento elétrico também “aumenta os custos com mão-de-obra” de várias maneiras. A PETA defende que o “CAK aumenta a qualidade e o rendimento do produto" porque ossos quebrados, hematomas e hemorragia são supostamente evitados, a contaminação é reduzida, a “durabilidade nos pontos de venda” aumenta, e são produzidos “peitos mais macios de frango”. A PETA também afirma que o “CAK baixa os custos com mão-de-obra” ao reduzir a necessidade de certas inspeções, ao reduzir acidentes e ao baixar a rotatividade de trabalhadores. O CAK proporciona "outros benefícios econômicos” à indústria avícola ao possibilitar que os produtores poupem gastos com custos energéticos, e ao reduzir o desperdício de subprodutos e a necessidade de se usar água.

Essa análise é consistente com uma que foi feita pela Humane Society of the United States, que examinou uma quantidade considerável de dados e concluiu:

O CAK resulta em economia de custos e aumento da receita ao reduzir a perda de qualidade da carcaça, a contaminação e os custos de refrigeração; ao aumentar o rendimento da carne, sua qualidade e sua durabilidade nos pontos de venda; ao melhorar as condições de trabalho. Sem pendurar as aves vivas pelos pés nem atordoá-las eletricamente, o CAK resulta em menos ossos quebrados, e menos hematomas e hemorragias. A redução nos defeitos da carcaça permite uma desossa mais eficiente e uma melhor qualidade da carne desossada. O CAK demonstrou reduzir os hematomas em até 94% e as fraturas dos ossos em 80%. Na hipótese conservadora de o CAK aumentar o rendimento em apenas 1%, um abatedouro processando 1 milhão de frangos de corte por semana, cada frango com a carcaça limpa pesando em média 4,5 libras e custando $0,80 a libra no atacado, aumentaria a receita anual em $1,87 milhões, depois de adotar o CAK. (Referências omitidas).

E a indústria concorda. Segundo os Poultry Producer CAK Endorsements da PETA, a indústria avícola reconhece amplamente que o CAK significa mais lucro:

“A Brandons não se beneficiou apenas com a melhora da qualidade da carne e do bem-estar. As vantagens têm sido visíveis em todo o abatedouro… [Tem havido] uma redução de 50% nos custos com mão-de-obra na linha de pendura. A velocidade da linha aumentou [20%]… O rendimento subiu até 1,5%…”.—Estudo pertencente à Brandons Plc, por Anglia Autoflow.

“Na linha de perus… cada funcionário pendura cerca de 7,66 aves por minuto… em comparação com cerca de 5,125 aves por minuto em um abatedouro nos Estados Unidos. Isso resulta numa melhora de quase 50% em termos de libras-por-funcionário-hora, porque os trabalhadores não precisam retirar as aves das gaiolas com as mãos, como se faz numa operação tradicional de pendura de ave viva nos Estados Unidos”.—Artigo no Watt Poultry USA sobre a Amadori, fevereiro de 2006.

“Cerca de 140.000 frangos de corte são processados por dia na Flixton…. Um funcionário da empresa disse que o CAS foi instalado para melhorar o bem-estar da ave [e] a ergonomia do trabalhador. A título de benefício indireto, a velocidade da linha foi aumentada. A Flixton processava apenas 110.000 aves por dia, antes de instalar o CAS”.—Artigo no Watt Poultry USA, fevereiro de 2006.

“‘Há menos cortes e aparas nas carcaças da linha porque há muito menos… manchas e outros prejuízos que o atordoamento elétrico pode causar’, diz Henry Kuypers, o gerente de produção do frigorífico Pingo Poultry…. O atordoamento com gás permitiu [que a empresa] agora obtenha um produto tenro [em] apenas 3 horas… [em oposição a] 12 ou mesmo 24 horas. ‘Esse período variável de maturação também influiu na uniformidade do produto’, explica Kuypers. —“CAS-ting Call”, revista Poultry, outubro de 2006.

“Estamos começando a quantificar as melhoras em termos de rendimento e de trabalho, mas visualmente já notamos os benefícios nas asas, na carne das asas e no peito de frango”.—Dale Hart, gerente geral da Cooper Farms.

“O sistema CAS melhora o ambiente para os trabalhadores na área de recepção de aves vivas, melhora a ergonomia da pendura de perus vivos e reduz os prejuízos à carcaça”.— Artigo no Watt Poultry USA sobre a Cooper Farms, novembro de 2006.

“A Amadori se interessou pelo CAS porque a empresa queria melhorar a ergonomia dos funcionários da pendura de aves vivas, o bem-estar animal, a eficiência do trabalho e a qualidade da carne. O CAS lhes ofereceu melhoras em cada uma dessas áreas….”. — Artigo no Watt Poultry USA, fevereiro de 2006.

“A instalação do atordoamento com gás reduziu marcadamente as perdas causadas por hemorragias e fraturas de ossos, e melhorou a cor do filé e a textura, em comparação com o método de atordoamento anterior, que era a eletrocussão na água. Assim como nos abatedouros dos Estados Unidos, a MBA Poultry pode justificar o atordoamento com gás baseada na contribuição advinda da receita gradual, a qual mais do que compensa o capital adicional e os custos de operação”.—“O futuro do atordoamento com gás,” Watt Poultry USA, abril de 2005.

“A qualidade da carne melhorou com o uso do CAS e há menos sangue na carne do peito e da coxa. O sangramento da carcaça não foi afetado pela mudança do atordoamento elétrico para o CAS”.— Artigo no Watt Poultry USA sobre Le Clezio, fevereiro de 2006.

“Enquanto tentamos maximizar o rendimento ao processar 11.000 aves por hora, nós também temos de tomar muito cuidado para assegurar que a carne não fique com marcas. Nesse aspecto, o CAS resultou em padrões muito elevados… [Também] há melhores condições de trabalho para a equipe”.—Richard Wenneker, da Emsland Frischgefluegel.

“A qualidade da carne melhorou expressivamente sem as manchas de sangue e, como resultado, não é mais necessário apará-la. Com isso houve notáveis benefícios em termos de aumento do rendimento. Agora a operação de corte emprega menos gente como resultado direto dos benefícios do… CAS”.—Estudo pertencente a Prior Norge, por Anglia Autoflow.

Então o CAK reduz os custos de produção, e os abatedouros que abastecem o KFC do Canadá iriam, com toda probabilidade, mudar para o CAK por razões econômicas, de qualquer jeito. De fato, esse é o modus operandi do movimento de defesa animal contemporâneo: identifique práticas que não sejam economicamente eficientes e que estão em processo de ser mudadas pela indústria de qualquer maneira. Lance uma campanha para fazer acontecer aquilo que aconteceria no curso natural das coisas, declare vitória e levante fundos. É exatamente o que está acontecendo aqui.

Segundo, a PETA ofereceu de mão beijada, ao KFC canadense, nada menos que um golpe de marketing. Cessou seu boicote ao KFC do Canadá e está dizendo que obteve vitória em sua campanha contra a crueldade do KFC naquele país, embora “a crueldade em outras nações continue”, sinalizando assim, para o público, que quem se preocupar com os animais pode voltar a comer no KFC canadense, com a bênção da PETA. De fato, agora a PETA e o KFC estão, publicamente, nos maiores amores. A PETA afirma que o KFC vai, “gentilmente, pôr [as galinhas] para ‘dormir’”. Segundo o artigo do Toronto Star, Steve Langford, o presidente do KFC canadense, declarou que, assim que ele sentou com o pessoal da PETA, “descobrimos que não tínhamos nenhuma diferença de opinião sobre como os animais devem ser tratados”. Matt Prescott, da PETA, declarou que acredita “que o KFC do Canadá está genuinamente preocupado com o bem-estar animal”. Prescott acrescentou que “tudo que queremos é que os KFCs de todos os países façam o que o KFC do Canadá fez”.

Consta que Langford está “felicíssimo com o acordo”. Aposto que está mesmo. Se fosse eu, também estaria. Ele não perdeu nada e ainda ganhou uma agência de relações públicas e marketing para trabalhar de graça para ele: a PETA.

Terceiro, o KFC está expandindo sua linha de produtos e oferecendo um novo sanduíche, feito com imitação de galinha e aprovado pela PETA como “totalmente sem crueldade”, que será manipulado junto com os produtos à base de carne dessa lanchonete e preparado com maionese não-vegana (a menos que o cliente peça sem maionese). Então o KFC terá uma opção não-vegana apoiada pela PETA. As pessoas agora podem ser “ativistas pelos animais” comendo um produto não-vegano no KFC e pondo mais dinheiro nos bolsos de uma corporação que vende morte. Mas há uma tradição desse tipo de comportamento. Em um artigo de dezembro de 2006 sobre Dan Mathews da PETA, Mathews e o repórter foram comer no McDonald’s e o repórter perguntou se podia pedir um hambúrguer com queijo. Consta que Mathews respondeu: “Peça o que quiser”. . . “Cinqüenta por cento dos nossos membros são vegetarianos e os outros cinqüenta por cento acham que é uma boa idéia”. Fora o fato de que Mathews come no McDonald’s, fala para o repórter pedir o que quiser e proclama, sem qualquer constrangimento aparente, que apenas metade dos afiliados da PETA é “vegetariana” (quanto mais vegana), Mathews comeu um produto—o “hambúrguer vegetariano”—que nem mesmo o McDonald’s diz que é vegetariano, dado que é preparado numa chapa junto com produtos à base de carnes e manipulado junto com produtos animais.

E o acordo é uma vitória para a PETA, que há muito tempo abandonou a abordagem dos direitos animais para buscar mais glória e mais contribuições para si própria. Tudo que importa é a PETA. Os animais são secundários.

O acordo KFC/PETA demonstra, de modo gritante, o que há de errado com o bem-estar animal. Essas campanhas perpetuam a confusa idéia de que “direitos animais” significa pôr uma televisão numa câmara de tortura, e não fazem absolutamente nada para desafiar o paradigma da propriedade. Ao contrário, a abordagem bem-estarista reforça a condição dos animais como meras mercadorias. E faz as pessoas se sentirem melhor quanto à exploração animal. Além do mais, essas campanhas constituem relações simbióticas entre a indústria e o movimento de defesa animal.

Até onde essa situação ilustra a verdade da observação de Margaret Mead, ela o faz nos lembrando que um pequeno grupo de pessoas pode ter um impacto profundamente adverso ao progresso social. Muitas pessoas se preocupam com a ética do uso de animais. Mas, enquanto os grupos de defesa dos chamados “direitos animais” ficarem dizendo a essas pessoas que elas podem cumprir suas obrigações morais comendo no KFC e outros lugares semelhantes (lembre-se de que a PETA “negociou” acordos semelhantes com o McDonald’s e o Burger King), o status quo persistirá e o único progresso que veremos será o aumento da conta bancária da PETA.

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