quinta-feira, 28 de maio de 2009

Dicas de Filmes - Sweeney Todd - o barbeiro demoníaco da Rua Fleet

À primeira vista, o último filme do diretor Tim Burton, Sweeney Todd - O barbeiro demoníaco da Rua Fleet, adaptação para as telas de um aclamado musical da Broadway, pode parecer, pela profusão de sangue e violência, o mais anti-vegetariano dos filmes, mas não é.

A trama: um barbeiro é injustamente mandado para a prisão por ordem de um juiz corrupto que está interessado na esposa do pobre sujeito e, 15 anos depois, ele retorna a Londres com sede de vingança. Ao descobrir que sua esposa bebeu veneno após ser seviciada pelo pérfido magistrado e que sua filha é mantida cativa na mansão do mesmo, o barbeiro Benjamin Barker decide apagar seu passado e voltar sua vingança contra toda a humanidade. Adota o nome de Sweeney Todd e, com a ajuda de uma antiga vizinha que por ele mantém um amor platônico, a Sra. Lovett, comete uma série de cruentos homicídios. O método: degola com navalha.

Para ocultar os corpos, ele e a Sra. Lovett decidem utilizar a carne dos defuntos como matéria-prima na falida loja de tortinhas de carne que ela mantém. O recheio de carne humana faz o estabelecimento da Sra. Lovett prosperar: centenas de inconscientes canibais lotam o lugar para devorar as tão deliciosas tortas. E é aí justamente que uma leitura sob a óptica do vegetarianismo pode ser bem-vinda. Sempre que o homem é confrontado com o tabu do canibalismo, surge, quase como corolário, o questionamento sobre as razões objetivas para que a ingestão da carne de um membro de nossa própria espécie seja "errada" ou apenas "repugnante", enquanto a ingestão da carne de tantas outras é tida não apenas como "correta" mas também como "natural".

Em certos momentos, de forma mais ou menos implícita, o subtexto do filme parece transcender a questão do "comer ou não comer carne" e flertar com a causa da libertação animal lato sensu. Um desses momento é a ária "Green Finch and Linnet Bird", cantada pela personagem Johanna, a filha de Sweeney Todd, que vive aprisionada na casa do juiz vilão. Em uma metáfora um tanto surrada (embora ilustrativa, neste caso), Johanna reflete sobre seu próprio confinamento, comparando sua condição àquela dos pásssaros que vivem em gaiolas. Indaga Johanna: "Como vocês podem cantar, estando em gaiolas, nunca batendo as asas? Assim, atrás das grades, como podem ficar olhando a chuva, enlouquecidos pelas estrelas? Como, mesmo assim, cantam?"

Neste filme, porém, o canibalismo é o elemento central, apresentado com fartas doses de humor negro, com direito a comentários sobre a suposta qualidade da carne de diferentes tipos de homens (padres, poetas, políticos), cenas de corpos humanos dilacerados sendo processados em um imenso moedor, etc. É emblemática a cena em que, simultaneamente, Sweeney, em sua barbearia, degola vários homens e o jovem marinheiro apaixonado pela filha do vingador anda pelas ruas de Londres: enquanto o sangue das degolas jorra (impossível não lembrar das cenas de abate suíno e bovino), o marujo passa por ruas escuras, cemitérios e imundos mercados em que carcaças bovinas pendem dependuradas em ganchos. Com tais cenas e imagens, o filme ajuda a esfumaçar as fronteiras éticas, morais, estéticas e gastronômicas entre o consumo de carne não-humana e carne humana. De fato, qual a diferença?

Fonte: SVB Poa

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