quinta-feira, 20 de novembro de 2008

Nosso racismo social

Em dias de apoteose para a consciência negra, com Barack Obama angariando a presidência dos EUA, o mundo vem sendo convidado a debater e criar esperanças pela queda do racismo branco contra afrodescendentes. Bem que esse êxito do havaiano poderia significar um sinal dessa enormemente desejável tendência no mundo, mas, pelo menos aqui no Brasil, se andarmos um pouco pelas ruas, não é isso que se percebe, vide o meu testemunho.

Em algumas andanças recentes na orla de Boa Viagem, aqui em Recife, uma realidade me deixou um tanto atormentado em relação ao nosso forte racismo social. Bem que eu tentava em meus desejos dar àquilo um caráter de distribuição aleatória, mas não deu. Ficou óbvio que a maioria dos alugadores de cadeiras e outros trabalhadores de baixa renda ali presentes tinha a pele de marrom a preta, enquanto os passeantes que se vestiam mais “ricamente” eram brancos. Do mesmo jeito me sinto quando, pelas ruas do mesmo bairro, percebo que tão poucos limpadores de pára-brisas têm pele branquinha, em contraste praticamente grosseiro com as garotas bem vestidas que andam por ali. Claro que isso não era/é um detalhe generalizante, seria burrice dizer que sim, visto que muitos morenos e negros que avistei nas minhas caminhadas ostentavam uma aparência de conforto sócio-econômico e alguns brancos estavam de fato em ocupações pobres.

Outro fator testemunhado foi que, em minha turma concluinte de Gestão Ambiental, apenas cinco entre 32 colegas tinham pele escura, detalhe que efervesce os defensores das cotas. Nos corredores do Cefet, a turma mais escura de pele se concentrava nos cursos de mecânica, edificações e outros técnicos, de nível médio, enquanto rareava mais nos tecnológicos, de nível superior.

Detalhes de segregação social entre a maioria dos brancos e a dos negros no Brasil como esses podem ser encontrados aos montes por aí, e muito freqüentemente geram opiniões absurdas como “nêgo é pobre porque é nêgo mesmo”, as quais põem em séria dúvida a crença de que “o brasileiro não é racista”. Já-já a idéia das cotas reaparece na roda de conversa, e então me obrigo a dizer: ah se uma cota resolvesse tudo em vez de apenas dar a impressão forçada de equalização sócio-racial... Imaginem vocês o poderoso efeito de percepção de estabelecer que 20% dos apartamentos de edifícios de classe média-alta fossem reservados para famílias ou indivíduos de pele escura. Aí todo mundo iria dizer, na ilusão, “essa medida é ótima!”.

Há-se de perceber que o racismo social no país vai muito além de cotas. É, como já se diz muito, um processo histórico de longas datas que medidas paliativas como destinar tal porcentagem de vagas em alguma oportunidade estão bem longe de esboçar um conserto – mas apenas forçam uma aparência de progresso no ajuste das diferenças – e que requer ainda muito debate e quebra de cuca para elaboração de políticas. Não há uma fórmula mágica para balancear o contraste entre a notada maioria branca socialmente favorecida e a negra em desvantagem, mas algo que daria bem certo, embora pareça utopia no Brasil, seria acolher e comprometer-se politicamente com as necessidades de todos aqueles das comunidades humildes. Isso favoreceria e elevaria sabe quem? Aquela maioria negra cujas carências atormentam aqueles que, como eu, desejariam que a distribuição sócio-racial fosse meramente aleatória. Aí sim que o nosso racismo social, como o fato de a maioria dos trabalhadores informais das praias ter pele muito escura, seria abrandado e a distribuição sócio-racial da população estaria mais próxima da igualdade.
Sobre o Autor

Estudante e articulista amador, é engajado na transmissão de uma nova visão de mundo, livre de absurdos e valores violentos tratados como normais, para as pessoas desde setembro de 2007. Defensor animal, vegano e ateu, dá preferência a assuntos como direitos dos animais, ética, sociedade e educação.

Fonte: Olhar Direto

0 comentários: