quarta-feira, 22 de setembro de 2010

SALVANDO O COELHO DA RAPOSA

Nas discussões sobre direitos animais, a questão da predação é geralmente abordada tanto como uma racionalização da nossa matança dos animais ou como base para uma objeção redutio ad absurdum (“mostrando a que tolice isso pode conduzir”) à reivindicação de que nós somos moralmente obrigados a diminuir o sofrimento animal evitável e injustificado. A racionalização toma a forma “já que eles predam uns aos outros, nós estamos moralmente justificados a predá-los”. Esta resposta, “Deixe colherem o que semeam!” como dirigida à questão dos direitos animais, foi abordada no capítulo 6[1]. A Reductio, que será o objeto deste capítulo, toma então a seguinte forma:

A Reductio da Predação

A1: Suponha que os humanos são moralmente obrigados a diminuir o sofrimento animal evitável e injustificado.

A2: Animais inocentes sofrem quando são predados por outros animais.

A3: Consequentemente, os humanos seriam moralmente obrigados a impedir a predação.

A4: Entretanto, uma obrigação de evitar a predação seria absurda.

A5: Assim, ao contrário da hipótese, humanos não são moralmente obrigados a diminuir o sofrimento animal evitável e injustificado.

Há três formas pelas quais este argumento pode ser contrariado com sucesso:

I. Contestando a avaliação em A4.

II. Contestando que A3 segue de A1 e A2.

III. Contestando que A5 segue de A1 até A4.

Nós desenvolveremos cada uma destas estratégias de resposta a seguir . Mas, antes de fazê-lo, eu gostaria de passar um momento discutindo e descartando algumas respostas para a Reductio da predação comuns, mas deficientes.

Uma dessas respostas se dá como a seguir:

Obrigações morais são direcionadas para os agentes racionais, que podem inibir ou estender suas atividades pelo reconhecimento destas obrigações. Todavia, os animais não são agentes racionais, ou pelo menos não suficientemente racionais para reconhecer e responder questões morais. Assim, a obrigação moral dos humanos em diminuir o sofrimento animal evitável e injustificado não pode envolver uma obrigação moral dos animais não serem predatórios.

Esta resposta tenta seguir a segunda estratégia abordada acima. Isto é, desafia a inferência de A1 e A2 para A3 na reductio da predação.

O Problema dessa resposta é a compreensão incorreta de A3. A conclusão alcançada em A3 não é que os animais são moralmente obrigados a deixar de serem predadores. A3 afirma que nós (por exemplo, humanos), somos moralmente obrigados a evitar a predação. Consequentemente, a inferência de A1 e A2 para A3 nem mesmo levanta a questão de uma obrigação moral tida pelos animais predadores que eles deveriam, de alguma forma, reconhecer e observar. Então, essa primeira resposta à redcutio da predação é simplesmente irrelevante para aquele argumento.

Poderia ser objetado que não faz sentido concluir que nós temos uma obrigação moral de impedir que os animais sejam predadores a menos que eles estejam moralmente obrigados a não serem predadores. Seguiria então daí que mesmo que a inferência de A1 e A2 para A3 não envolve uma reivindicação explícita de que os animais sejam sujeitos a obrigação moral, presumindo que eles já o são.

Tal contra-argumento seria enganoso. Não há nenhum problema conceitual com a idéia de que nós, como agentes morais ad[2], somos obrigados a impedir outros, que (supostamente) não são agentes morais ad, de causar dano. Nós rotineiramente aplicamos essa idéia quando atribuímos responsabilidade aos pais de impedir suas crianças em fase pré-moral ad de causar dano. Uma criança pequena “não ter consciência de seus atos” não nos exime de estarmos moralmente obrigados a pará-la de atormentar o gato. Só que o gato não ter consciência de seus atos não pode nos eximir de sermos moralmente obrigados a fazê-lo parar de matar os pássaros. Consequentemente, esta tentativa de ameaçar a inferência de A1 e A2 para A3 falha.

Uma segunda resposta falha à reductio da predação é mais ou menos como se segue:

Uma vez que os animais não podem ser moralmente obrigados a não ser predadores, não há nada errado em serem predadores. Mas, nós não podemos ser moralmente obrigados a evitar a predação, se não houver nada de errado com ela.

Esta objeção novamente segue a segunda estratégia acima. Aqui, esta estratégia específica desafia a significância moral de A2 na reductio da predação. O sofrimento animal causado pela predação tem sua significância moral negada pela presunção de que o valor moral da ação deriva inteiramente do agente responder ou não responder a regras morais, isto é, deriva inteiramente de se ele ou ela agiu como um agente moral ad.

Como defendido extensamente nos capítulos 2 e 3, esta presunção é enganosa. Considere novamente o exemplo de uma criança pequena atormentando o gato. A criança pode ser muito jovem para reconhecer e responder às obrigações morais humanitárias. Entretanto, enquanto isso pode influenciar nossa avaliação do seu caráter e responsabilidade por suas ações, isto não nos leva a concluir que não há nada de moralmente errado com o ato dela atormentar o gato. Atormentar o gato permanece um erro moral, mesmo quando é feito por alguém que “sabe o melhor a se fazer” ou por alguém que “não sabe diferenciar o certo do errado”. Tomando outro exemplo, se nós determinarmos que alguém é criminalmente insano (como, por exemplo, o incapaz de distinguir o certo do errado), isso afeta nossa avaliação de sua responsabilidade por suas ações e se ele merece ou não punição por elas. Todavia, isso não nos leva a concluir que não havia nada de errado com aquelas ações. Que eles foram cometidos pelo criminalmente insano não tornam casos injustificados de homicídio e o intercurso sexual forçado moralmente neutros. Eles continuam sendo casos de assassinato e estupro.

Ser incapaz de distinguir o certo do errado pode deixar os agentes “inocentes” no sentido de “não culpáveis”, mas isso não torna suas ações “inocentes” no sentido de “serem nem moralmente certas ou moralmente erradas”. Aquelas ações podem ainda continuar sendo moralmente certas ou erradas; só que o agente é incapaz de reconhecer esse fato. Enquanto kantianos estão corretos quando enfatizam que ações feitas por diferentes razões podem ter diferentes valores morais, eles estão incorretos quando concluem que todo o valor moral de uma ação deriva da vontade do agente. Existem dimensões independentes do agente para nossas avaliações morais, como aquelas concernentes às conseqüências dos atos, bem como as dimensões dependentes do agente. Consequentemente, poderia haver um erro moral para nós corrigirmos na predação, mesmo que esse erro não possa ser a incapacidade dos animais em cumprir suas obrigações morais. Pode ser um erro moral ai derivado do lado utilitarista de nossa moralidade comum. Então, essa segunda resposta à reductio da predação também falha.

A última das respostas comuns, mas, erradas que nós consideraremos se dá como a seguir:

Ao serem predadores, os animais estão apenas seguindo sua natureza. Nós devemos (moralmente) respeitar as necessidades naturais e impulsos dos outros. Desta forma, nós devemos (moralmente) não interferir na predação.

Esta resposta novamente implementa a segunda das respostas estratégicas acima por desafiar a significância moral de A2 na reductio da predação. Essa resposta presume que respeitar a natureza tem uma maior prioridade dentre nossos valores morais que diminuir o sofrimento animal evitável e injustificado. Se correta, essa presunção poderia justificar moralmente o sofrimento animal causado pela predação, por torná-la menos maléfica que o desrespeito pela natureza envolvido na tentativa de impedir a predação. Esta resposta pode também ser vista como um “análogo da ética ambiental” para o princípio do valorizador independente, discutido no capítulo 10, que “nós não temos o direito de forçar nossos valores aos outros”. Aqui, estes “outros” são os animais predadores.

A moralidade diária indica que essa presunção é enganosa. Uma das funções fundamentais e amplamente difundidas das regras morais e da educação é delimitar e inibir os caminhos pelos quais as necessidades inatas podem (moralmente) ser desenvolvidas e os impulsos naturais podem (moralmente) ser buscados. Especialmente quando alguns dos nossos “fazendo o que nos é natural” resulta em sofrimento ou morte de outros, a resposta moral padrão é que aqui há um aspecto ou expressão da natureza humana que não merece nosso respeito moral. Exemplos disso poderiam ser nossa ausência de respeito moral e nossos muitos esforços em inibir nossas tendências agressivas e de dominação. Desconheço razões pelas quais a natureza extra humana deveria estar intitulada ao respeito moral que não é devido à natureza humana. Poderíamos também perceber que nós simplesmente não aceitamos essa terceira resposta à reductio da predação quando nossos animais de estimação ou crianças são vitimas de predadores, como ocasionalmente acontece quando nos aventuramos em seu território ou quando, através da destruição de seus habitats, não lhes deixamos nenhuma outra opção de sobrevivência senão a de se enveredar em nossas comunidades buscando por presas. Quando isso acontece aos nossos amados, nós claramente damos maior prioridade à prevenção do sofrimento do que o respeito à natureza.

O mesmo pode ser dito, se nós pensarmos nesta terceira resposta como um análogo para o princípio do valorizador independente. O respeito moral devido à busca dos outros pelos seus próprios valores é condicional, pelo menos, à medida que essa busca não negue aos outros a oportunidade de perseguir seus próprios valores. Por exemplo, nós não temos obrigações morais de respeitar os desejos dos escravocratas em dominar e seus ideais de um mundo no qual eles comandam vastas levas de escravos. Similarmente, dado que os predadores obviamente negam à sua presa a oportunidade de perseguir seus valores, nós não estamos moralmente obrigados pelo princípio do valorizador independente a respeitar as atividades predatórias.

Assim a terceira resposta à reductio da predação atribui uma prioridade ao natural e ao respeito dos valores individuais que não é confirmada pela prática moral comum. Enquanto não invalida o argumento, mostra que tal argumento possui um ônus da prova pesado para cumprir antes de colocar um desafio sério à reductio da predação. Também sugere que essa terceira resposta é maliciosa, assim como são outras referências ao “é simplesmente natural!” no discurso moral. À medida que nossos interesses ou dos que amamos são sacrificados, não reconhecemos uma obrigação moral em “deixar a natureza tomar seu curso”. Mas, quando nós não queremos ser incomodados com uma obrigação, “É simplesmente assim que o mundo funciona” provê uma desculpa prática.

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