sexta-feira, 18 de julho de 2008

VEGANISMO E ETNOCENTRISMO

Bruno Müller
bfmuller@gmail.com

Não é incomum nos depararmos com esta acusação, quando defendemos o veganismo: afirmam que comer carne é uma questão cultural, e que tentar mudá-la não é apenas autoritário, mas também etnocêntrico (ou seja, a imposição da própria cultura sobre as demais). Hoje gostaria de desmistificar essa idéia.

O buraco negro do relativismo

Essa questão incorre, inevitavelmente, na armadilha do relativismo cultural, o qual afirma que todas as culturas são relativas e se equivalem.

Respeitar as diferenças culturais não significa sacralizá-las nem considerá-las imutáveis - o que é uma interpretação conservadora que não combina com o discurso, em geral progressista, dos que apelam para o relativismo cultural como princípio, e não como ferramenta de análise. O que os relativistas não entendem é que equivalência não exclui a incompletude. Todas as culturas são incompletas. Apontar tais incompletudes não é manifestação hegemonista ou preconceituosa.

O relativismo cultural se apresenta em círculos cada vez mais próximos do indivíduo. Consideram que não podemos criticar culturas de outra matriz civilizacional (ex: ocidentais não podem criticar orientais ou indígenas). Depois, consideram que não podemos criticar outros países, mesmo que da mesma matriz civilizacional (brasileiros não podem criticar, digamos, as touradas espanholas). Daí a coisa se estende para regiões do mesmo país, pessoas de outras classes sociais, outro sexo, outra geração até que, finalmente, talvez não tenhamos o direito de criticar ninguém além de nós mesmos, numa ditadura do acriticismo relativista politicamente correto.

O que tais pessoas não entendem é que é impossível viver sem fazer julgamentos, emitir opiniões. Fazemos isso o tempo todo, e não há nada de necessariamente errado nisso. Toda opinião já é, em si, um julgamento. Também não entendem que a cultura não é imutável, e que suas transformações muitas vezes se dão pela luta ativa por mudanças, não apenas por uma suposta evolução interior sem atropelos. Embora a cultura - como os indivíduos - só mude através da aceitação geral de novos paradigmas, diálogo e o convencimento são ferramentas necessárias no processo e que, aliás, são usadas por todos, o tempo todo.

Alegar que a carne deve ser respeitada por ser cultural equivale a dizer que devemos respeitar atrocidades do passado e do presente. Pena de morte, tortura, mutilação genital (masculina e feminina) são características presentes ainda em muitas culturas. Isso sem mencionar questões como a opressão feminina, o racismo, a homofobia, a intolerância religiosa, que com variações, são provavelmente universais. Seria errado condená-las como bárbaras por acontecerem fora do meu círculo social?

Por fim, o relativismo é uma atitude que se auto-anula: se eu me declaro incapaz de julgar qualquer opinião, como posso condenar atitudes que considero absolutistas? Se todas as práticas e opiniões são relativas, como eu posso condenar pessoas que lutam contra determinadas atitudes que elas consideram injustas (criação de animais, tortura de seres humanos, apedrejamento de adúlteras)? Se a objeção é acerca dos que se manifestam contra atitudes e opiniões expressas em outro tempo e outras culturas, deveríamos nos questionar se as culturas são estanques, incapazes de dialogar entre si - o que é, obviamente, uma mentira. Nenhuma cultura vive isolada. Deveríamos igualmente nos questionar sobre a adoção seletiva de idéias e costumes estrangeiros: se tantos deles, ocidentais ou orientais, são adequadas para outras culturas que não aquelas de onde se originaram, porque não o respeito aos direitos individuais - e, dentre eles, os direitos dos animais não-humanos?

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